quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

A lenda de Mou

No dia 16 de Fevereiro de 2009, José Mourinho será distinguido com o título Honoris Causa, atribuído pela Faculdade de Motricidade Humana. Mais uma honraria no caminho deste treinador que encanta o Mundo e contribui sobremaneira para inflar o orgulho nacional. Os ingleses apelidaram-no the Special One; os italianos chamam-lhe Mou; para os portugueses é Mourinho, José Mourinho: homem que arrisca tornar-se lenda maior que Eusébio.

A fama do português cruza gerações e zonas geográficas. A sua postura faz mossa em todos: fomenta profunda admiração ou acicata ódios. A sua personalidade frontal e propícia a controvérsia é o que o distingue dos outros treinadores que conquistam títulos prestigiantes mas não nos oferecem... emoções.


O presente

No início da época 2007/2008, o Special One abandonou o comando técnico do Chelsea. O despedimento (se assim se pode chamar) suscitou um (genial) comentário de Carlo Ancelotti. O então e actual treinador do AC Milan, comparou Mourinho a «uma mina que qualquer um se arrisca a pisar»... Roberto Mancini foi quem acabou amputado.

A contratação do mister português pelo Inter é, por si só, mais um contributo para a lenda... José Mourinho foi substituir um treinador tricampeão italiano. Como suplantar tal feito?... Mancini queria manter-se no cargo e a maioria dos tiffosi era favorável à sua continuidade. Mesmo perante este cenário, Massimo Moratti – homem de grande visão e coragem – decidiu arriscar e avançar para a contratação do português. De seguida, o presidente interista pediu três desejos a Mou: continuar a vencer campeonatos; ganhar a Champions; que o técnico permaneça igual a si próprio. O desejo que enumero por último é tudo menos trivial... Um futebol que apenas foi notícia nos últimos anos devido ao escândalo Calciocaos e nas vitórias do AC Milan na Liga dos Campeões necessita, urgentemente, de novos motivos de interesse. Mou não desiludiu! De início, na vertente comunicador polémico. Passados poucos meses, também na vertente treinador de futebol.

José Mourinho foi o centro das atenções no momento em que aterrou em Milão. Cada conferência de imprensa que dá, opinando sobre a partida mais banal à mais escaldante, torna-se um momento televisivo de utilidade pública. Se existisse um talk-show, tipo compilação dos encontros do português com a imprensa internacional, eu estaria sempre colado à TV. O discurso sem papas na língua; a forma como soube aprender a ser autocrítico; o facto de, sem embaraço, destacar individualmente os seus jogadores, para o bem e para o mal; a capacidade de, em simultâneo, demonstrar respeito e desafiar os seus adversários continua a fascinar meio mundo. E a outra metade não consegue ficar indiferente.

No futebol, o Inter pode fazer melhor e está obrigado a mostrar mais. No entanto, todos os objectivos se mantêm intocáveis e a liderança da Série A aparenta ser firme. Mou foi testando sistemas, foi testando jogadores e foi sendo criticado por não se ver, de imediato, um grande Inter, mas lá vai levando a água ao seu moinho e as críticas vão-se transformando em elogios.

Como é hábito suceder a jogadores orientados pelo técnico português, espera-se que algumas figuras deste Inter dêem o salto de grandes jogadores para jogadores de elite. Ibrahimovic já estava à porta, Mourinho parece decidido a empurrá-lo lá para dentro. Maicon deverá ser considerado unanimemente o melhor lateral direito do Mundo, lá para o final da época. Muitos jogadores são demasiados velhos para que o milagreiro lusitano possa intervir decisivamente nas suas carreiras. Mesmo assim, a imprensa italiana não se cansa de destacar o ressurgimento de Stankovic. Alguns jovens e outros futebolistas talentosos, ainda com margem de progressão, andam às turras com José Mourinho. Nada de novo. Normalmente beneficiam os que acabam por baixar as orelhas perante o mister.

Em Itália, não só em Milão, espera-se muito do nosso Mourinho. Por estranho que possa parecer, este vai, progressivamente, assumindo-se como o salvador do calcio. O futebol italiano tem sido vítima do desinteresse generalizado, perdendo claramente protagonismo para os campeonatos inglês e espanhol. Os próprios tiffosi não preenchem os estádios. Mas o português redefiniu os tempos de visibilidade do calcio na comunicação social global, ele próprio faz questão de passar essa mensagem dentro do país – ouçam o que eu digo, façam o que eu mando e o futebol italiano vai voltar a ter o protagonismo dos anos 80 – os opinion makers parecem estar a reagir nesse sentido. José Mourinho é, de facto, um indivíduo fascinante. E peço-vos perdão porque não consigo esconder o meu próprio fascínio.


O futuro

Que futuro para José Mourinho? Para já, dois terços de época no Inter. Depois, provavelmente mais uma ou duas temporadas a orientar os milaneses. E depois? Depois... Há poucos clubes – não posso dizer do Mundo – da Europa que aspiram a contar com os serviços do técnico português. Arriscaria uma dúzia. Mais tarde, seguramente com muitos mais títulos no seu currículo especial, chegará a vez da Selecção. Ele já manifestou esse desejo, mais lá para o fim da carreira, a pré-reforma. Porque ser seleccionador é uma quase morte: acaba a rotina diária e passa-se o tempo a colocar cruzinhas no calendário à espera do próximo estágio. De qualquer forma, não vai faltar muito. O técnico já manifestou a vontade de se reformar cedo, sendo assim, a pré-reforma (Selecção) não andará longe.

Mas a (minha) curiosidade não termina aqui. O que fará José quando decidir reformar-se de treinador de futebol? Ele já respondeu que estará o mais longe possível do desporto-rei. Mas não o imagino dedicado exclusivamente à família e aos amigos. Quem viu entrevistas sobre o seu dia-a-dia reconhece, sem dificuldade, os sintomas evidentes de um trabalhador compulsivo... Seja qual for o seu futuro, por certo que discreto não será.

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